VERSO
Pádua Fernandes
Garganta e Cidade
Reengenharia da fome: o céu reflete-se nos urubus que descem e comunicam aos citadinos a lição do voo - a voracidade; a terra consubstancia-se nos urubus que se elevam, fartos da carniça, após erigirem com ossos um novo templo para o sol. Memorando sobre a verdade: o sol dança com palafitas à beira das políticas de regularização fundiária apontando no horizonte a linha em que viverão juntos. Gestão industrial da catástrofe: para o prefeito do possível governar significa construir rampas que acelerem o caminho da cidade para o abismo. Consenso da merda com a teoria da administração: vereadores venéreos em férias remuneradas nos paraísos artificiais com que as empreiteiras substituíram a política.
Assim você, funcionário, trabalha e grita ninguém sabe o que se passa em minha alma, exceto o açúcar, a direção perigosa, o cigarro, a mentira, fastio jamais descrito? Nada disso revela por que você se mata.
*Reproduzido de http://www.antoniomiranda.com.br/
fabio weintraub
Pádua Fernandes nasceu no Rio de Janeiro e é autor de vários livros, como poeta, contista e ensaísta. Ganhador de vários prêmios, é um dos finalistas do Jabuti 2020, na categoria Poesia. Tem pós-doutorado no IEL-Unicamp, sobre literatura brasileira contemporânea e justiça de transição
|